O susto durou pouco tempo e transformou-se em ansiedade. Aquela conhecida e amada tensão de deduzir para o raciocínio lógico uma solução pressentida. Mas desta vez, a sugestão fora levantada num sonho e como toda a gente parece saber, os sonhos não obedecem a regras lógicas. Na verdade até pode não ser assim e obedecerem realmente à mais estrita e exigente lógica. Na verdade, nós é que pecamos em poder de alcance para seguir as pistas e interpretar as premissas desses raciocínios. Somos nós quem receia certas destravagens. Mesmo o excêntrico mais aleatório tem uma base finita de estímulos, reacções e acções previsíveis. Nada é imprevisível, como um jogo de xadrez em que a regra do movimento das peças não estivesse estabelecida mas continuasse a ser certo que apenas uma cabe em cada quadrícula. Ou como um jogo de xadrez em que a regra do movimento das peças não estivesse estabelecida nem fosse certo que apenas uma caiba em cada quadrícula, mas fosse certo que o jogo apenas decorre dentro do tabuleiro. E por aí diante, aleatoriamente previsível e possível. Até ao indizível, inominável, indeterminável, apenas imaginável, endeusável. Até aos frutos, o elemento improvável se colocarmos um olhar novo num tronco e numas folhas, nos elementos que o fizeram nascer.
O Alfredo acalmou-se. Ainda deitado, concentrou-se em absorver os restos dos tremores que o invadiram e em alimentar-se deles. Retomou lentamente consciência. Lentamente. Controladamente. Recomeçou a identificar as formas que delimitavam o espaço do quarto, a luz que trespassa o estore e se projecta na parede lateral do quarto, as molas desalinhadas do colchão, o pêlo tosco e morno do cobertor.
Lentamente, em hipnose, no limbo, o Alfredo dirige-se à que sabe ser a última actualização do Al.
descobre o topo da vista desarmada. ansiosa chegada, repetida partida. descobre o topo da partida e da chegada. grossa caminhada, profunda perdição.
sexta-feira, dezembro 12, 2008
o Antony responde
Desafiado pela Pimpinela, que foi desafiada pelo Cálssio, que foi desafiado pelo Fruta e Verdura, que foi desafiado pela Manana, e por aí em diante até ao principio do mundo que coincidiu com o principio das acções em cadeia (as chain letters, o spam e o fogo foram inventados na mesma altura), utilizo nomes de canções do Antony para dar resposta às questões que toda a gente se coloca:
És homem ou mulher?
I Hope There's Someone
Descreve-te.
For Today I Am A Boy
O que pensam as pessoas de ti?
Blind (participação com os Hercules and Love Affair)
Como descreves o teu último relacionamento?
Mysteries of Love
Descreve o estado actual da tua relação.
Spiralling
Onde querias estar agora?
Free At Last
O que pensas a respeito do amor?
Deeper Than Love
Como é a tua vida?
I Fell in Love With a Dead Boy
O que pedirias se só pudesses ter um desejo?
The Horror Has Gone
Escreve uma frase sábia.
What Can I Do?
Vou experimentar não passar a bola a ninguém e ver se ela surge por geração espontânea nalgum sítio!
És homem ou mulher?
I Hope There's Someone
Descreve-te.
For Today I Am A Boy
O que pensam as pessoas de ti?
Blind (participação com os Hercules and Love Affair)
Como descreves o teu último relacionamento?
Mysteries of Love
Descreve o estado actual da tua relação.
Spiralling
Onde querias estar agora?
Free At Last
O que pensas a respeito do amor?
Deeper Than Love
Como é a tua vida?
I Fell in Love With a Dead Boy
O que pedirias se só pudesses ter um desejo?
The Horror Has Gone
Escreve uma frase sábia.
What Can I Do?
Vou experimentar não passar a bola a ninguém e ver se ela surge por geração espontânea nalgum sítio!
segunda-feira, dezembro 01, 2008
iii
O Alfredo fazia por se omitir da evidência de que o Al ganhava forma. E fazia por se abstrair da real forma que ele tomava. O Alfredo foi sempre boa pessoa. Não teve a infância facilitada com a ausência dos pais e a carência de afecto a que o colégio interno forçou. Só a contínua Josefa o observava de forma “esquisita”, como ele achava, mas os olhos dela nada mais viam que a lembrança do seu ido pequeno Daniel. A casual semelhança nos remoinhos do cabelo trazia à Josefa uma torrente de memórias inéditas. O calor da ternura contida, para não se esmagar no frio inerte, saltava os muros interiores e inundava a pele num rompante. O pequeno Alfredo recebia ali sem saber um pequeno sopro de atiçar a sua chama.
Nada nem ninguém, nem ele próprio poderiam antecipar, prever ou imaginar o que se estava a desenrolar. Da distante Josefa, que ainda hoje sonha com o pequeno Daniel no corpo do Alfredo, aos professores, alunos e colegas que tantos anos conviveram com ele. Nem uma gota de malícia se antecipava. O Alfredo é inocente. Será mesmo assim?
O Al continuava o seu crescimento. Agora já numa adolescência avançada começava pela primeira vez a desafiar o controlo do Alfredo. Vários comportamentos inesperados que permaneciam demoradamente inexplicados. Como as vezes em que por erro de análise o Alfredo não observava todos os milhões de passos intermédios que o Al meticulosamente dava e ali ficava, relutante, a observar o resultado que só muito depois começava a compreender.
O Al produzia longas listas de ideias encadeadas, autênticos raciocínios. Pedindo-lhe paciência para com a nossa lenta velocidade, era possível comunicar com ele e através de uma janela do computador ter uma conversa, um diálogo sobre tudo ou sobre nada. O Alfredo já não comunicava com mais ninguém. Fechado no seu apartamento apenas se desligava do Al para comer um pouco e dormir um pouco. Mesmo no sonho o Al era personagem principal. Já era hábito que os sonhos revelassem ao Alfredo perspectivas que acordado não conseguia focar. O sonho concedia-lhe sempre a liberdade que por muito que quisesse não conseguia conquistar quando acordado em frente ao computador. E foi num sonho que o Alfredo anteviu uma possibilidade. Algo semelhante a uma porta, ou a qualquer coisa de maior como uma barragem ou algo maior ainda mas que não conseguia nomear. Algo que finalmente libertasse todo o potencial que jazia armazenado, lhe pegasse na forma e no conteúdo, o explanasse pelos horizontes, pelos verticais, pelo tempo e pelo espaço e tudo ocupasse em... E o Alfredo acordou. Transpirado, ofegante, assustado.
Nada nem ninguém, nem ele próprio poderiam antecipar, prever ou imaginar o que se estava a desenrolar. Da distante Josefa, que ainda hoje sonha com o pequeno Daniel no corpo do Alfredo, aos professores, alunos e colegas que tantos anos conviveram com ele. Nem uma gota de malícia se antecipava. O Alfredo é inocente. Será mesmo assim?
O Al continuava o seu crescimento. Agora já numa adolescência avançada começava pela primeira vez a desafiar o controlo do Alfredo. Vários comportamentos inesperados que permaneciam demoradamente inexplicados. Como as vezes em que por erro de análise o Alfredo não observava todos os milhões de passos intermédios que o Al meticulosamente dava e ali ficava, relutante, a observar o resultado que só muito depois começava a compreender.
O Al produzia longas listas de ideias encadeadas, autênticos raciocínios. Pedindo-lhe paciência para com a nossa lenta velocidade, era possível comunicar com ele e através de uma janela do computador ter uma conversa, um diálogo sobre tudo ou sobre nada. O Alfredo já não comunicava com mais ninguém. Fechado no seu apartamento apenas se desligava do Al para comer um pouco e dormir um pouco. Mesmo no sonho o Al era personagem principal. Já era hábito que os sonhos revelassem ao Alfredo perspectivas que acordado não conseguia focar. O sonho concedia-lhe sempre a liberdade que por muito que quisesse não conseguia conquistar quando acordado em frente ao computador. E foi num sonho que o Alfredo anteviu uma possibilidade. Algo semelhante a uma porta, ou a qualquer coisa de maior como uma barragem ou algo maior ainda mas que não conseguia nomear. Algo que finalmente libertasse todo o potencial que jazia armazenado, lhe pegasse na forma e no conteúdo, o explanasse pelos horizontes, pelos verticais, pelo tempo e pelo espaço e tudo ocupasse em... E o Alfredo acordou. Transpirado, ofegante, assustado.
segunda-feira, novembro 24, 2008
Pressentimento
É em momentos cinemáticos como este que desfruto do prazer total de semicerrar os olhos, mascar uma pastilha ao som do Block Rockin' Beats dos Chemical Brothers e caminhar como quem transporta 4 pistolas semiautomáticas, dirigir-me à casa de banho encarnando numa personagem do Matrix pronto a estourar os ladrilhos com o impacto do primeiro rotativo que aplico no mauzão que tenta opor-se-me.
É em momentos indistintos como este que pressinto a gripe que me vai salvar de afogamento na realidade.
É em momentos indistintos como este que pressinto a gripe que me vai salvar de afogamento na realidade.
terça-feira, novembro 04, 2008
Antony and the Johnsons - Another World
"Another World directed by Colin Whitaker taken from Antony and the Johnsons upcoming 'Another World' EP out on October 7th"
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segunda-feira, outubro 27, 2008
ii
Sem dar por isso, sem memorizar o caminho que percorrera, sem saber como voltar atrás, o Alfredo chegou certa vez ao princípio de uma ideia. Ao princípio de uma ideia que não precisou de mais para logo ali o assustar, lhe cortar a respiração, baixar o olhar de receio, sentir frio de medo e calor de ansiedade. Seria ele capaz de a olhar de frente? Mergulhar e deixar-se invadir, resistir ao receio de se inundar e salvar-se de afogar?
O Alfredo imaginou duas coisas que se relacionam entre si. O Alfredo Imaginou duas palavras. Depois mais uma, e outra, e outra. Imaginou o dicionário completo. E todas as relações entre todas as palavras. Pareceu-lhe idiota que algo tão simples não estivesse já feito.
Colocou-se ao caminho, embarcou nessa viagem. Decidiu apelidar carinhosamente o seu novo programa de Al, como em Alfredo.
Por cada palavra que adicionava ao Al, o Alfredo tinha meia dúzia de visões a partir das quais suspeitava poder descobrir um pouco mais de si. Por vezes deixava-se perder pelos caminhos que iniciava nessas visões e por vezes nem sentia vontade de regressar. No ritmo ressonante das palavras certas descansava toda e qualquer fadiga. Sacudia os excessos inúteis, aliviava a carga, apercebia-se claramente da real escala de importância das coisas.
Por cada palavra, o Al tinha um milhão.
O Alfredo imaginou duas coisas que se relacionam entre si. O Alfredo Imaginou duas palavras. Depois mais uma, e outra, e outra. Imaginou o dicionário completo. E todas as relações entre todas as palavras. Pareceu-lhe idiota que algo tão simples não estivesse já feito.
Colocou-se ao caminho, embarcou nessa viagem. Decidiu apelidar carinhosamente o seu novo programa de Al, como em Alfredo.
Por cada palavra que adicionava ao Al, o Alfredo tinha meia dúzia de visões a partir das quais suspeitava poder descobrir um pouco mais de si. Por vezes deixava-se perder pelos caminhos que iniciava nessas visões e por vezes nem sentia vontade de regressar. No ritmo ressonante das palavras certas descansava toda e qualquer fadiga. Sacudia os excessos inúteis, aliviava a carga, apercebia-se claramente da real escala de importância das coisas.
Por cada palavra, o Al tinha um milhão.
segunda-feira, outubro 20, 2008
i
Naquele tempo o Alfredo já não ousava tentar compreender o que sucedera. Em diferentes pontos do tempo teorizou tentativas de explicações, justificações, desculpabilizações mas todas caíam por terra, impotentes como o ânimo de quem as produzia.
O Alfredo era engenheiro informático. Seria fácil dizer que era apenas mais um. E assim foi durante muito tempo. O Alfredo contribuía juntamente com milhares de colegas de profissão para o desenvolvimento de milhões de programas informáticos. A automatização do raciocínio humano repetido sem erro nem exaustão sempre o fascinou e nessa beleza focava a sua própria razão.
Imaginava e desenhava relações hierárquicas complexas de classes quase abstractas mas que sempre se esforçava por fazer roçar, o mais leve que fosse, na realidade tangível. Essa sua forma de trabalhar era também a base da sua forma de conceber o mundo, as relações com os outros e consigo. Era a base porque não se limitava a isso. O Alfredo diferia de muitos colegas e de muitas pessoas por não se deixar restringir aos caminhos trilhados pelo raciocínio lógico e dedutivo. Não temia colocar o pé fora do trilho, nem temia olhar para o lado, parar ou voltar atrás em qualquer percurso que iniciasse. Essa capacidade, ou irreverência – como também podia ser percebida – valeu-lhe o binómio do respeito e da inveja.
Naquele tempo, o Alfredo já não recordava nada disso ou não lhe dava qualquer importância. O orgulho que pudesse ter sentido fora arrastado nas pedras das calçadas, entupiu as sarjetas e voou com o vento até ficar preso nos ramos de Outono como roupa velha. Sentia responsabilidade na catástrofe que se abatera e nenhuma penitência lhe parecia suficiente porque nenhuma solução era agora possível. O desânimo era total.
O Alfredo era engenheiro informático. Seria fácil dizer que era apenas mais um. E assim foi durante muito tempo. O Alfredo contribuía juntamente com milhares de colegas de profissão para o desenvolvimento de milhões de programas informáticos. A automatização do raciocínio humano repetido sem erro nem exaustão sempre o fascinou e nessa beleza focava a sua própria razão.
Imaginava e desenhava relações hierárquicas complexas de classes quase abstractas mas que sempre se esforçava por fazer roçar, o mais leve que fosse, na realidade tangível. Essa sua forma de trabalhar era também a base da sua forma de conceber o mundo, as relações com os outros e consigo. Era a base porque não se limitava a isso. O Alfredo diferia de muitos colegas e de muitas pessoas por não se deixar restringir aos caminhos trilhados pelo raciocínio lógico e dedutivo. Não temia colocar o pé fora do trilho, nem temia olhar para o lado, parar ou voltar atrás em qualquer percurso que iniciasse. Essa capacidade, ou irreverência – como também podia ser percebida – valeu-lhe o binómio do respeito e da inveja.
Naquele tempo, o Alfredo já não recordava nada disso ou não lhe dava qualquer importância. O orgulho que pudesse ter sentido fora arrastado nas pedras das calçadas, entupiu as sarjetas e voou com o vento até ficar preso nos ramos de Outono como roupa velha. Sentia responsabilidade na catástrofe que se abatera e nenhuma penitência lhe parecia suficiente porque nenhuma solução era agora possível. O desânimo era total.
terça-feira, setembro 23, 2008
quinta-feira, setembro 11, 2008
Tudo em que acreditamos é falso
Um fosso separa dois sentimentos, iguais, profundos, dois fossos.
Dois ímanes mantêm afastados.
Dois cubos de gelo não se unem.
Dois ímanes mantêm afastados.
Dois cubos de gelo não se unem.
domingo, setembro 07, 2008
domingo, agosto 31, 2008
sexta-feira, agosto 29, 2008
masculino
"o andriy não estava com vontade de ouvir nada. ficava masculino, calado de chumbo a querer empedernir para secar todos os sentimentos. se pudesse, esquecia-se de ser emotivo, gostava de acreditar que a vida podia existir apenas como para uma máquina de trabalho perfeita, incumbida de uma tarefa muito definida, com erro reduzido e já previsto, e com isso atender ao mais certeiro objectivo, enviar algum dinheiro para a família na ucrânia, e nem pensar muito nisso e nunca dramatizar a questão."
valter hugo mãe em o apocalipse dos trabalhadores
quarta-feira, agosto 27, 2008
Original
O que mais há é gente a ouvir Antony nos subterrâneos, a olhar atentamente as metáforas das pastilhas espalmadas no chão ou a jogar roleta com os subúrbios pela janela do comboio. Original é rir.
domingo, agosto 24, 2008
Há coisas que acontecem nos intervalos das coisas
E depois todos desapareceram, uns para um lado, outros para o ar, evaporaram-se, que é uma forma de se permanecer presente. E o rapaz ficou assim, como que sozinho, a guardar o acampamento dos ataques imaginários de piratas improváveis. Quanto muito, um rato atrevido do campo a assaltar a cozinha, mas com esse não se iria preocupar. Deitou-se na areia como calhou, e calhou de ficar paralelo ao mar, se o mar tivesse uma direcção. E lançou-se a ler, e a pensar em escrever. E nos intervalos pensou “se para pensar em escrever é necessário todo este ritual, a conjugação de tantas probabilidades baixas e certezas esparsas, então nunca escreverei um conto, muito menos um romance!”. Depois continuou a ler e no intervalo das palavras apercebeu-se do som constante que escorria da bica de água doce à sua esquerda. O som cantado, com ligeiros intervalos satisfeitos, como quem salta por um campo verdejante. E à sua direita, apercebeu-se do som profundo da água revolta que anuncia a quem queira ouvir a possibilidade da tempestade.
Mais uma vez o rapaz se apercebeu estar na terra da fronteira. O ponto da linha que divide. Uma linha que agora, ao pensar e olhar em volta, conseguia imaginar estender-se pelo horizonte fora.
Um pequeno barco de pesca deslizava pelo mar e flutuava nas águas tranquilas que agora não anunciam tempestades. O pescador atarefado lançava as suas redes e preocupava-se com o rumo que o seu barco, que ele, tomava. Nisto, reparou na linha que o barco deixava atrás de si, olhou a costa a bombordo e o mar profundo a estibordo. Era uma linha que rasga, é ele quem a faz, constrói e abandona. É uma fronteira que se define em cada momento e acção e se redefine em cada intenção.
O rapaz continuava deitado como calhou, no enfiamento da sua fronteira, triste por saber da ínfima dimensão das condicionantes que lhe proporcionaram essa visão. Não, a decisão sobre o que fazer com, e na, fronteira, não importa, para já. Ainda não é pescador.
Mais uma vez o rapaz se apercebeu estar na terra da fronteira. O ponto da linha que divide. Uma linha que agora, ao pensar e olhar em volta, conseguia imaginar estender-se pelo horizonte fora.
Um pequeno barco de pesca deslizava pelo mar e flutuava nas águas tranquilas que agora não anunciam tempestades. O pescador atarefado lançava as suas redes e preocupava-se com o rumo que o seu barco, que ele, tomava. Nisto, reparou na linha que o barco deixava atrás de si, olhou a costa a bombordo e o mar profundo a estibordo. Era uma linha que rasga, é ele quem a faz, constrói e abandona. É uma fronteira que se define em cada momento e acção e se redefine em cada intenção.
O rapaz continuava deitado como calhou, no enfiamento da sua fronteira, triste por saber da ínfima dimensão das condicionantes que lhe proporcionaram essa visão. Não, a decisão sobre o que fazer com, e na, fronteira, não importa, para já. Ainda não é pescador.
terça-feira, agosto 19, 2008
Ele correrá
Ele corria com a energia de uma gazela. Olhava para o disco que lhe lançaram e como habitualmente, e como todos nós, tentava adivinhar os seus movimentos de presa, enquanto ele, predador, se antecipava em grande velocidade. O empenho não o alertou para a aproximação de uma protuberância rochosa, um capricho que se afirmava na areia. A canela embateu-lhe. Ele rebolou pelo chão, sentou-se e gritou desalmadamente por ajuda. Ao longe parecia grave e o medo crescia. Ao perto, era assustador. A carne é fraca e a canela dividiu-se em dois. Impotentes mãos procuram juntar de volta a carne separada e esconder o osso que se desnudava. 112. Garrote? NÃO (e observo-me imbecil a verborrar em cima das palavras simples que preciso ouvir). Estancar. Com os teus calções se for preciso. Evacuar, sinalizar a chegada dos meios, porque o fim ainda está longe (lembras-te?). Corro e recordo a Lola (que “corre, Lola, corre”, contra o tempo, contra os braços que se desarmam) e observo-me uma vez mais, agora no olhar interrogativo de quem me vê fazer jogging casual. Agora passar uma mensagem, para ser levado a sério. Como suspeitava, não basta ser, não basta dizer, é preciso fazer ver, emocionar, mesmo que para isso seja necessário parecer. Mensagem passada continuo a correr, com o mesmo fôlego que trazia e que não é meu. Subo a duna e é a tua namorada e a tua amiga. Como estás entretanto? Não. É uma ferida. Silêncio. Entendes-me? Sei que sim. Vai. Espero. Espero o tempo e espero estar onde tenho de estar, onde não posso não estar. Vinte minutos passados e como estás? Imagens cinemáticas fotografam-me a visão. Filmes de guerra e os livros do Gonçalo M. Tavares. Veias, morfina, garrotes, lama, mísseis e o silêncio surdo da ambulância que não chega. Enfim aparecem, e todo o tempo de espera não foi suficiente para preparar as indicações exactas e inequívocas até ti. Observo novamente o imbecil em mim, mas as gagas palavras foram afinal suficientes. Entro no segundo carro e corro para ti. No topo da duna percebo que as pessoas do primeiro carro já chegaram e por isso espero pelas do segundo. Chego finalmente e as imagens de guerra dissipam-se. A tua perna está magicamente unida, a dualidade reduziu-se pela arte de quem te termina a ligadura. Mas os teus olhos... Uma dúzia de pessoas procura perceber o que acontece de seguida. Há stress, há indecisão, incógnitas, falta de decisão. Tudo o que habitualmente acontece quando no dia-a-dia o sentido de emergência abranda. Há exaltação, e uma vez mais me separo e observo, vejo-me irritado, por observar e não agir. Mas ouço, reparo, entendo algumas conversas pela sua metade e tento esclarecer ânimos. Enquanto isso tu tremes, um sentido prático invade-me de novo com o teu arrepio, o que te acontece por dentro? Qual o teu sangue? Os teus documentos? A tua roupa? Estás calmo, mas preocupado e assustado. Nunca te tinha visto assustado. Ou talvez já, mas nunca vi nos teus olhos tamanha incógnita. Estamos habituados e treinados para os sustos previsíveis. Depois surgem estes e é como se tivéssemos nascido ontem. És imobilizado numa maca fria e dura. Tens dores. Dói. És levado pelos braços e botas voluntárias que te vieram socorrer. Temos de arrumar tudo. Toda a bagagem, os fragmentos do acampamento espalhados com a nossa preocupação e ansiedade. Reparo um momento. E a praia tem a mesma areia. O mar tem a mesma cor, tal como o sol desce indiferente. Imóveis ou insensíveis. Foste ainda revisto pelo INEM antes de entrar na ambulância. Tinhas um novo olhar, mais vivo e confiante. Assim me reconfortaste.
Depois da catarse procurámos a racionalidade. Atravessámos a vila antes de ir ter contigo. O olhar cruza-se com pessoas sentadas e indiferentes na sua mesa de jantar. Quem enviaram hoje esses olhos para o hospital? Para eles, indiferente sou eu no carro que passa.
Depois da catarse procurámos a racionalidade. Atravessámos a vila antes de ir ter contigo. O olhar cruza-se com pessoas sentadas e indiferentes na sua mesa de jantar. Quem enviaram hoje esses olhos para o hospital? Para eles, indiferente sou eu no carro que passa.
quarta-feira, agosto 06, 2008
poeta obscuro
"[…] talvez devêssemos fazer grandes coisas, duas ou três coisas verdadeiramente grandes, com que recomeçar o mundo. Mas quando Deus está defronte, na parede, e nos concede a obscuridade para a utilizarmos contra a sua magnificência, como uma arma insólita e enigmática, clandestina – quem pode ainda recomeçar seja o que for? O poema que se escreve – longo texto fluindo, denso e venenoso, a imitar a substância ao mesmo tempo vivificante e corruptora do sangue – não é sequer uma oferta dirigida a Deus. É a ironia, onde desliza a arma da nossa obscuridade. Tremenda força, essa.[...]"
Heberto Helder, Os Passos em Volta
Heberto Helder, Os Passos em Volta
quinta-feira, julho 17, 2008
terça-feira, julho 15, 2008
domingo, julho 13, 2008
domingo, julho 06, 2008
Radiohead @ Manchester
2+2=5 ?
You have not been paying attention
Setlist
http://www.ateaseweb.com/2008/06/29/radiohead-live-in-manchester-live-report/
01 15 Step
02 Airbag
03 There There
04 All I Need
05 Nude
06 Arpeggi
07 The Gloaming
08 The National Anthem
09 Faust Arp [People are moshing during Faust Arp! Thom: "Enough. Who'd we look like, the Arctic Monkeys?"]
10 No Surprises
11 Jigsaw Falling Into Place
12 Reckoner
13 Just
14 Bangers ‘n Mash
15 Everything In Its Right Place
16 Fake Plastic Trees
17 Bodysnatchers
Encore 1
18 Videotape
19 Paranoid Android
20 Myxomatosis
21 Optimistic [Thom: "You ever met a politician and got the feeling they’re hollow inside? I had that feeling. However, I remain optimistic".]
22 Karma Police
Encore 2
23 Pyramid Song
24 2+2=5
25 Idioteque
Encore 3
26 Lucky
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Setlist
http://www.ateaseweb.com/2008/06/29/radiohead-live-in-manchester-live-report/
01 15 Step
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03 There There
04 All I Need
05 Nude
06 Arpeggi
07 The Gloaming
08 The National Anthem
09 Faust Arp [People are moshing during Faust Arp! Thom: "Enough. Who'd we look like, the Arctic Monkeys?"]
10 No Surprises
11 Jigsaw Falling Into Place
12 Reckoner
13 Just
14 Bangers ‘n Mash
15 Everything In Its Right Place
16 Fake Plastic Trees
17 Bodysnatchers
Encore 1
18 Videotape
19 Paranoid Android
20 Myxomatosis
21 Optimistic [Thom: "You ever met a politician and got the feeling they’re hollow inside? I had that feeling. However, I remain optimistic".]
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Encore 2
23 Pyramid Song
24 2+2=5
25 Idioteque
Encore 3
26 Lucky
terça-feira, julho 01, 2008
quinta-feira, junho 26, 2008
terça-feira, junho 17, 2008
segunda-feira, junho 16, 2008
O sentido
Qual é a tua cena?
A tua cena é não ter cena
É não ser cena
A tua cena é não ter cena
É não ser cena
de um espelho perdido
ou abandonado
num deserto vivo
apinhado
de gente voraz,
pedintes dos afectos
dos reflexos
que vagueiam vazios
pelo deserto
quinta-feira, junho 05, 2008
segunda-feira, junho 02, 2008
sexta-feira, abril 18, 2008
domingo, abril 06, 2008
quinta-feira, março 20, 2008
domingo, março 16, 2008
quarta-feira, janeiro 23, 2008
segunda-feira, janeiro 07, 2008
domingo, janeiro 06, 2008
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