domingo, junho 20, 2010

A minha janela

A porta foi à sua vida
e a janela está aberta
No espaço, nada se move
Nada me encontra.

Nenhuma alternativa se impõe
no entanto existe um fluxo
onde me transporto.

Comigo a janela,
sempre
oca.
E a sua paisagem
frescura
uma promessa
uma passagem

domingo, junho 13, 2010

Ela caminha por novas ruas

Ela caminha por ruas novas, mas a memória está inebriada por conhecimentos quotidianos. A forma ágil de se movimentar pretende fazer crer que na verdade não há nada de novo. Ou que a novidade não é nada com que se necessite preocupar, por ser mundana, corriqueira. Tudo em volta é novo, mas dentro dos seus olhos tudo é ainda quotidiano. O percurso é aberto, pela segunda vez, com golpes afiados de confiança e arrogância. Mais uma curva e já está. Eis a curva. Uma inclinação inusitada começa por levantar suspeitas, mas não! Não há ali enganos… Até que tudo pára. E sim. Há um engano. Ela volta-se para trás e confirma que virou no sítio errado. Na verdade está agora num sítio ainda mais novo, e inexplorado, que poderia passar assim a fazer parte do seu território. No entanto este inesperado desmorona o castelinho de segurança e revela o fundamental, o facto de ser ter enganado, de os passos determinados, dançantes, terem sido abruptamente interrompidos, como uma agulha que se arrasta no disco que gira. Há uma fragilidade que se expõe.
Ela sabe que o novo caminho não é quotidiano. Sabe que há escadas por onde não subiu e ruas que não desceu. Faz parte da sua estratégia ter esses becos, ruelas, travessas e avenidas por perto, em linha de vista do emaranhado dos percursos quotidianos. Bem como cidades inteiras, pessoas inteiras, profissões inteiras que cabem nessa folga que ela reserva quotidianamente. Uma reserva de segurança, uma reserva de esperança. A sua sobrevivência quotidiana alimenta-se dessa reserva secreta de esperança. Mas infelizmente, a verdade é secreta apenas antes de ser falsa.

quinta-feira, abril 22, 2010

Rufus

A mesa longa cimentava o ambiente morno de respeitinho contente. Lá fora o jardim ilumina-se frugalmente e projectava pequenos pontos de luz e manchas de reflexos complexos na larga janela de correr. Um olhar complicado podia demorar-se ali. Havia uma fresta para que nada fosse definitivo. No entanto o ar fresco e talvez perfumado que por ali entrava não tinha hipótese face à soma das fragrâncias que as individualidades exalavam.
A soma de todos os sons, se interpretado como uma linguagem desconhecida, era igual a zero. No entanto a organização reservara uma surpresa. A janela abriu-se mais um pouco, sem pressas, e um vulto mais a sua guitarra entraram. Reconheci-o logo, era o Rufus Wainwright que logo ali começou a cantar e a expor-se, frágil a olhar aquela mesa compacta, fechada em círculo. Não resisti e aplaudi-o com entusiasmo. Aplaudi e sorri aquele sorriso sem pressa, o melhor de todos. Não sei quanto tempo depois apercebi-me ser o único a aplaudir, mas para além de ser o único a aplaudir, ninguém olhava escandalizado, incrédulo ou interrogativo, nem para mim, nem para o Rufus. A soma dos sons provenientes da mesa continuava a dar zero.

sábado, março 06, 2010

Estranha distância

Dois estranhos estão lado a lado, encostados numa das paredes da sala de concerto. Dois estranhos encontram-se todos os dias no comboio das 8:13. Outros dois estranhos almoçam quase sempre no mesmo café. Com as pessoas estranhas tem-se pouca conversa.
Dois estranhos encontram-se no estrangeiro. Dois estranhos encontram-se no supermercado junto à casa dos primos. Dois estranhos encontram-se casualmente longe do sítio onde a sua estranheza é habitual. Dois estranhos ficam espantados e a estranha distancia de dois estranhos transforma-se em proximidade. De súbito são os dois melhores amigos em quilómetros e quilómetros. Os dois melhores amigos à face da terra, para não ser menos exagerado do que o exagero de dois estranhos que se conhecem agirem como dois estranhos.

Do you realize what you lose?

Não tenho dúvida de que é fundamental existir e saber abraçar o "new thinking". Mas também tenho a certeza de que é fundamental saber o que se perde, principalmente quem nunca teve o que perdeu.

"- The other day I was in my doctor’s office, and what do you do in your doctor’s office? Wait. In the past I would be sitting and reading the magazines, I would be looking around the office looking for funny weird stuff and maybe something would strike me as a good story idea. Maybe I would just be looking at other people waiting. Who knows? Instead, I pull up my phone. Suddenly, I’m not looking around me anymore, I’m looking at the screen of my iPhone, and…
- You’re an ambivalent tweeter there Susan. I mean, you’re a star tweeter but you’re an ambivalent tweeter, I can hear it. I mean, David described that exact same thing except standing in line at Starbucks was his example. To him it was nothing but a good thing that he didn’t just have to stand in line in Starbucks, he could be tweeting while standing in line. He had saved that time, he had made productive use of that time. You are enough of an old thinker to realize you lose something when you’re not looking around at the Starbucks that you’re in."
http://www.newyorker.com/online/2010/02/22/100222on_audio_packer

domingo, fevereiro 28, 2010

A soma

A mesa longa cimentava o ambiente morno de respeitinho contente. Lá fora o jardim ilumina-se frugalmente e projectava pequenos pontos de luz e manchas de reflexos complexos na larga janela de correr. Um olhar complicado podia demorar-se ali. Havia uma fresta para que nada fosse definitivo. No entanto o ar fresco e talvez perfumado que por ali entrava não tinha hipótese face à soma das fragrâncias que as individualidades exalavam.
A soma de todos os sons, se interpretado como uma linguagem desconhecida, era igual a zero. No entanto a organização reservara uma surpresa. A janela abriu-se mais um pouco, sem pressas, e um vulto mais a sua guitarra entraram. Reconheci-o logo, era o Rufus Wainwright que logo ali começou a cantar e a expor-se, frágil a olhar aquela mesa compacta, fechada em círculo. Não resisti e aplaudi-o com entusiasmo. Aplaudi e sorri aquele sorriso sem pressa, o melhor de todos. Não sei quanto tempo depois apercebi-me ser o único a aplaudir, mas para além de ser o único a aplaudir, ninguém olhava escandalizado, incrédulo ou interrogativo, nem para mim, nem para o Rufus. A soma dos sons provenientes da mesa continuava a dar zero.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Gosto, quando as palavras encaixam perfeitamente, quando nenhuma outra poderia continuar a anterior, quando produzem o ritmo perfeito e fazem perceber que o mesmo não poderia nunca ser dito de outra forma.