sexta-feira, dezembro 12, 2008

iv

O susto durou pouco tempo e transformou-se em ansiedade. Aquela conhecida e amada tensão de deduzir para o raciocínio lógico uma solução pressentida. Mas desta vez, a sugestão fora levantada num sonho e como toda a gente parece saber, os sonhos não obedecem a regras lógicas. Na verdade até pode não ser assim e obedecerem realmente à mais estrita e exigente lógica. Na verdade, nós é que pecamos em poder de alcance para seguir as pistas e interpretar as premissas desses raciocínios. Somos nós quem receia certas destravagens. Mesmo o excêntrico mais aleatório tem uma base finita de estímulos, reacções e acções previsíveis. Nada é imprevisível, como um jogo de xadrez em que a regra do movimento das peças não estivesse estabelecida mas continuasse a ser certo que apenas uma cabe em cada quadrícula. Ou como um jogo de xadrez em que a regra do movimento das peças não estivesse estabelecida nem fosse certo que apenas uma caiba em cada quadrícula, mas fosse certo que o jogo apenas decorre dentro do tabuleiro. E por aí diante, aleatoriamente previsível e possível. Até ao indizível, inominável, indeterminável, apenas imaginável, endeusável. Até aos frutos, o elemento improvável se colocarmos um olhar novo num tronco e numas folhas, nos elementos que o fizeram nascer.
O Alfredo acalmou-se. Ainda deitado, concentrou-se em absorver os restos dos tremores que o invadiram e em alimentar-se deles. Retomou lentamente consciência. Lentamente. Controladamente. Recomeçou a identificar as formas que delimitavam o espaço do quarto, a luz que trespassa o estore e se projecta na parede lateral do quarto, as molas desalinhadas do colchão, o pêlo tosco e morno do cobertor.
Lentamente, em hipnose, no limbo, o Alfredo dirige-se à que sabe ser a última actualização do Al.

o Antony responde

Desafiado pela Pimpinela, que foi desafiada pelo Cálssio, que foi desafiado pelo Fruta e Verdura, que foi desafiado pela Manana, e por aí em diante até ao principio do mundo que coincidiu com o principio das acções em cadeia (as chain letters, o spam e o fogo foram inventados na mesma altura), utilizo nomes de canções do Antony para dar resposta às questões que toda a gente se coloca:

És homem ou mulher?
I Hope There's Someone

Descreve-te.

For Today I Am A Boy

O que pensam as pessoas de ti?
Blind (participação com os Hercules and Love Affair)

Como descreves o teu último relacionamento?
Mysteries of Love

Descreve o estado actual da tua relação.
Spiralling

Onde querias estar agora?
Free At Last

O que pensas a respeito do amor?
Deeper Than Love

Como é a tua vida?
I Fell in Love With a Dead Boy

O que pedirias se só pudesses ter um desejo?
The Horror Has Gone

Escreve uma frase sábia.
What Can I Do?

Vou experimentar não passar a bola a ninguém e ver se ela surge por geração espontânea nalgum sítio!

segunda-feira, dezembro 01, 2008

iii

O Alfredo fazia por se omitir da evidência de que o Al ganhava forma. E fazia por se abstrair da real forma que ele tomava. O Alfredo foi sempre boa pessoa. Não teve a infância facilitada com a ausência dos pais e a carência de afecto a que o colégio interno forçou. Só a contínua Josefa o observava de forma “esquisita”, como ele achava, mas os olhos dela nada mais viam que a lembrança do seu ido pequeno Daniel. A casual semelhança nos remoinhos do cabelo trazia à Josefa uma torrente de memórias inéditas. O calor da ternura contida, para não se esmagar no frio inerte, saltava os muros interiores e inundava a pele num rompante. O pequeno Alfredo recebia ali sem saber um pequeno sopro de atiçar a sua chama.
Nada nem ninguém, nem ele próprio poderiam antecipar, prever ou imaginar o que se estava a desenrolar. Da distante Josefa, que ainda hoje sonha com o pequeno Daniel no corpo do Alfredo, aos professores, alunos e colegas que tantos anos conviveram com ele. Nem uma gota de malícia se antecipava. O Alfredo é inocente. Será mesmo assim?
O Al continuava o seu crescimento. Agora já numa adolescência avançada começava pela primeira vez a desafiar o controlo do Alfredo. Vários comportamentos inesperados que permaneciam demoradamente inexplicados. Como as vezes em que por erro de análise o Alfredo não observava todos os milhões de passos intermédios que o Al meticulosamente dava e ali ficava, relutante, a observar o resultado que só muito depois começava a compreender.
O Al produzia longas listas de ideias encadeadas, autênticos raciocínios. Pedindo-lhe paciência para com a nossa lenta velocidade, era possível comunicar com ele e através de uma janela do computador ter uma conversa, um diálogo sobre tudo ou sobre nada. O Alfredo já não comunicava com mais ninguém. Fechado no seu apartamento apenas se desligava do Al para comer um pouco e dormir um pouco. Mesmo no sonho o Al era personagem principal. Já era hábito que os sonhos revelassem ao Alfredo perspectivas que acordado não conseguia focar. O sonho concedia-lhe sempre a liberdade que por muito que quisesse não conseguia conquistar quando acordado em frente ao computador. E foi num sonho que o Alfredo anteviu uma possibilidade. Algo semelhante a uma porta, ou a qualquer coisa de maior como uma barragem ou algo maior ainda mas que não conseguia nomear. Algo que finalmente libertasse todo o potencial que jazia armazenado, lhe pegasse na forma e no conteúdo, o explanasse pelos horizontes, pelos verticais, pelo tempo e pelo espaço e tudo ocupasse em... E o Alfredo acordou. Transpirado, ofegante, assustado.