quarta-feira, abril 11, 2007

De elevador

M. saiu do café onde passara toda a manhã a trabalhar e também a servir cafés, a tudo quanto é gente e também a tudo quanto não é gente. Todos, sem excepção, tiveram o cuidade de no fim pagar a sua conta. Desta vez ninguém fugiu e isso deixou a manhã com aquele travo de monotonia que tende a acumular-se nos cantos das casas, de cor esverdeada e que se atribui erradamente à humidade.
Desceu o degrau da porta do café, que normalmente dá para a rua, mas que agora antecede a porta do elevador de um edifício, presumivelmente do edifício do próprio café. M. não tem outra hipótese senão chamar o elevador. A luz do botão acende-se, previsível. Alguns rangidos e alguns segundos depois ouve o plim que antecede a abertura das portas. Entra no elevador sem alternativa - a porta de onde antes saira está fechada e opaca - e depara com 3 paredes de espelhos. Só existe um botão que M. carrega e que com culpa de algum nervosismo envia para interior (ou para o exterior) do elevador. Ainda assim o cubículo começa a mover-se. Sobe, lenta e constantemente. A viagem prossegue, predefinida e rodeada de um infinito absurdo. Quando finalmente ocorre a M. olhar para cima verifica que o elevador não tem tecto e consegue ver o fim da viagem que lentamente se aproxima. M. deseja que o elevador pare antes de chegar ao tecto atravessado pelos cabos que puxam lentamente o elevador sem tejadilho. Mas não há intenções de abrandamento do ritmo lento. O tecto está já à altura do peito e o chão do elevador continua a subir enquanto as paredes absurdas se dissolvem no tecto áspero. M. senta-se no chão e sem desespero consegue ainda sentir um morno aconchego do cheiro a mofo do canto esverdeado.
O chão esvoaça e M. reencontra-se agora sentado no degrau que dá para a rua a partir da porta do café. Um carro passa e cospe-lhe uma poça de água.

sábado, abril 07, 2007

"A realidade"

"O senhor Henri disse:
... é verdade que se um homem misturar absinto com a realidade fica com uma realidade melhor.
... mas é certo que se um homem misturar absinto com a realidade fica com um absinto pior.
... muito cedo tomei as opções essenciais que há a tomar na vida - disse o senhor Henri.
... nunca misturei o absinto com a realidade para não piorar a qualidade do absinto."
Gonçalo M. Tavares em O Senhor Henri













sexta-feira, abril 06, 2007