segunda-feira, junho 01, 2009

O comboio pára na estação que se segue. Dois brasileiros desconhecidos encontram-se e cumprimentam-se familiarmente. Conhecem-se. Na rua que desço para regressar a casa passo quase à porta de uma porta amiga. Recordo em acto reflexo, como se recordar fosse agir. O comboio pára na estação seguinte. Dois brasileiros despedem-se. Há um que fica e há um que sai. A música continua a tocar no ouvido do que fica. O outro sai a dançar. Dança como anda. Na rua que desço passo à porta das portas desconhecidas. Encontro quem não conheço. A música que toca não me faz dançar. Faz-me marchar. O telefone toca. Tenho de parar o que estou a fazer no computador e falar coisas concretas. Como quem marcha ao som da banda e com as botas completa a música. O comboio pára na estação que se segue. Já nenhum brasileiro dança, nem nenhum brasileiro ouve a música. O olhar triste daquela pessoa que estava a ler reflecte-se na janela escura. Estive a ler e estou cansado. Por isso fico com os olhos cansados. Mas esta pessoa que se reflecte também esteve a ler? A marcha telefónica termina, sem mortos nem feridos graças à prática que assim de mostra útil. Mentiras. De regresso ao computador leio as notícias de que há feridos graves nos comboios que param nas estações. “Olhares cansados reflectidos em janelas escuras ferem três”, leio. Desejo que os comboios não se atrasem. A noite parece ter caído porque todas as janelas escureceram. Debruço-me para ver o caminho, colocar a cabeça de fora, sentir o vento secar os olhos e entrar pela camisola. Mas estas janelas não abrem e vejo o meu reflexo.