domingo, agosto 24, 2008

Há coisas que acontecem nos intervalos das coisas

E depois todos desapareceram, uns para um lado, outros para o ar, evaporaram-se, que é uma forma de se permanecer presente. E o rapaz ficou assim, como que sozinho, a guardar o acampamento dos ataques imaginários de piratas improváveis. Quanto muito, um rato atrevido do campo a assaltar a cozinha, mas com esse não se iria preocupar. Deitou-se na areia como calhou, e calhou de ficar paralelo ao mar, se o mar tivesse uma direcção. E lançou-se a ler, e a pensar em escrever. E nos intervalos pensou “se para pensar em escrever é necessário todo este ritual, a conjugação de tantas probabilidades baixas e certezas esparsas, então nunca escreverei um conto, muito menos um romance!”. Depois continuou a ler e no intervalo das palavras apercebeu-se do som constante que escorria da bica de água doce à sua esquerda. O som cantado, com ligeiros intervalos satisfeitos, como quem salta por um campo verdejante. E à sua direita, apercebeu-se do som profundo da água revolta que anuncia a quem queira ouvir a possibilidade da tempestade.
Mais uma vez o rapaz se apercebeu estar na terra da fronteira. O ponto da linha que divide. Uma linha que agora, ao pensar e olhar em volta, conseguia imaginar estender-se pelo horizonte fora.
Um pequeno barco de pesca deslizava pelo mar e flutuava nas águas tranquilas que agora não anunciam tempestades. O pescador atarefado lançava as suas redes e preocupava-se com o rumo que o seu barco, que ele, tomava. Nisto, reparou na linha que o barco deixava atrás de si, olhou a costa a bombordo e o mar profundo a estibordo. Era uma linha que rasga, é ele quem a faz, constrói e abandona. É uma fronteira que se define em cada momento e acção e se redefine em cada intenção.
O rapaz continuava deitado como calhou, no enfiamento da sua fronteira, triste por saber da ínfima dimensão das condicionantes que lhe proporcionaram essa visão. Não, a decisão sobre o que fazer com, e na, fronteira, não importa, para já. Ainda não é pescador.

Um comentário:

ovo zero disse...

parece-me que encontraste qualquer coisa :)