sábado, novembro 28, 2009

No meio das vírgulas

Tudo

É agora

Novo

sexta-feira, novembro 13, 2009

Tudo é novo

Para onde vão as escadas rolantes que se encolhem no chão?!

No entanto uma fórmula cronometra-me o sono.

terça-feira, julho 07, 2009

"Por vezes, quando um cineasta faz planos que excedam a "velocidade" vazia da televisão, imediatamente o classificam de "monótono" ou "repetitivo". Quando a televisão prolonga as suas próprias imagens, sem que isso nem sequer traduza, ao menos, algum ganho informativo, ninguém diz nada..."
João Lopes, aqui http://sound--vision.blogspot.com/

sábado, julho 04, 2009

segunda-feira, junho 01, 2009

O comboio pára na estação que se segue. Dois brasileiros desconhecidos encontram-se e cumprimentam-se familiarmente. Conhecem-se. Na rua que desço para regressar a casa passo quase à porta de uma porta amiga. Recordo em acto reflexo, como se recordar fosse agir. O comboio pára na estação seguinte. Dois brasileiros despedem-se. Há um que fica e há um que sai. A música continua a tocar no ouvido do que fica. O outro sai a dançar. Dança como anda. Na rua que desço passo à porta das portas desconhecidas. Encontro quem não conheço. A música que toca não me faz dançar. Faz-me marchar. O telefone toca. Tenho de parar o que estou a fazer no computador e falar coisas concretas. Como quem marcha ao som da banda e com as botas completa a música. O comboio pára na estação que se segue. Já nenhum brasileiro dança, nem nenhum brasileiro ouve a música. O olhar triste daquela pessoa que estava a ler reflecte-se na janela escura. Estive a ler e estou cansado. Por isso fico com os olhos cansados. Mas esta pessoa que se reflecte também esteve a ler? A marcha telefónica termina, sem mortos nem feridos graças à prática que assim de mostra útil. Mentiras. De regresso ao computador leio as notícias de que há feridos graves nos comboios que param nas estações. “Olhares cansados reflectidos em janelas escuras ferem três”, leio. Desejo que os comboios não se atrasem. A noite parece ter caído porque todas as janelas escureceram. Debruço-me para ver o caminho, colocar a cabeça de fora, sentir o vento secar os olhos e entrar pela camisola. Mas estas janelas não abrem e vejo o meu reflexo.

domingo, maio 17, 2009

DOM Lisboa

Rua Sousa Martins:
"Há incerteza deliciosa"












Rua Bernardo Lima:
"Sob o asfalto da razão sobrevive a lógica do sensível"

sábado, maio 16, 2009

Antony and the Johnosons no Coliseu de Lisboa...

Mais uma vez...deslumbrante.
Admirei a diferença na postura mais descontraída, menos melodramática. O conforto do caminho que se percorre.
Obrigado

terça-feira, maio 05, 2009

P.J. Harvey na Casa da Musica

Foi no dia 2 de Maio 2009.
Não resisti a filmar um pedaço deste momento alto...de um concerto já de si elevado.

Taut:

quinta-feira, abril 23, 2009

Reacção

É manhã cedo e o Alfredo decidiu ir de carro para o trabalho. Para além de o regresso a casa depois do jogo de futebol ser muito mais rápido e confortável, estimulava-o a expectativa de usar a nova objectiva fotográfica algures pelo caminho. Voltar a poder capturar os desvios de raciocínio provocados por um olhar, pensamentos absurdos, momentos hiperbólicos e, com sorte, engenho e trabalho, uma linha de tudo isso.
Por azar, nabice ou desleixo, nada de extraordinário ia acontecendo. O acesso à auto-estrada fez-se pelo mesmo caminho de sempre, tal como a fila de trânsito que estava parada no mesmo sítio de sempre e os carros preenchidos com as pessoas anónimas, como sempre. Pelas bermas cresciam ervas, como sempre. Algum lixo dançava ao vento e como sempre acenava aos carros da outra faixa.
Com o carro parado e a janela aberta o olhar deambulava até encontrar um volume no asfalto da outra faixa. Em menos de nada o volume ganhou sentido mas absurdo. Um animal, mas não está completo. O olhar ainda era curioso mas intimidou-se no momento em que distinguiu, pela cor vermelha, a carne viva do animal. Um vermelho obsceno, pujante, que queria viver mas que assim pendurado no escuro do asfalto era absurdo, surreal. Um carro passou em velocidade normal, rápido. O lixo dançava e acenava ao carro que sem vacilar sobrevoou o animal jazido. Outro carro passou e um camião, e o animal parecia na verdade estar vivo, saber o que fazia enquanto apreciava a adrenalina de fintar as rodas lançadas dos carros.
A nova objectiva permanecia sossegada no banco do lado à espera do irrepetível momento rasgado que teimava em não aparecer…
Entretanto, tanto foi o tempo que até a fila se desbloqueou e avançou mais uns passos. Assim que se sentiu na iminência de avançar o Alfredo apercebe-se que não lhe ocorreu fotografar aquele momento verdadeiramente único. Aquela derradeira afirmação da vida sobre a morte, ou aquela qualquer outra interpretação que se lhe quisesse dar. Não lhe ocorrera até aí mas ainda tinha a possibilidade. Como é hábito, a fila pasmou-se pouco mais à frente. Agora era a oportunidade.

Os carros de traz ainda não buzinavam, a distância para os da frente ainda era tolerável. Mas os olhos postos no animal e a imagem das suas entranhas irredutivelmente coloradas de vida impediam o raciocínio e a sensação de abandonar o controlo sobre o corpo. Dúvidas e receios de olhar para o resultado ou de esse resultado ser visto, dúvidas sobre a legitimidade de sequer pensar em fotografar aquela cena dramática impediam o Alfredo de sequer começar a fazê-lo.
Nestas e outras deambulações o Alfredo gastou o tempo todo que tinha e viu-se obrigado a avançar até perder de vista e abandonar o animal.
No regresso a casa, cansado e com muito menos energia, a memória da cena matutina apareceu quando se aproximava do sítio onde deixara o animal. O que é que teria acontecido? Alguém teria parado para o recolher e fazer descansar em chão mais macio? Teria renascido? Ou estaria no mesmo sítio? O Alfredo aproximava-se do local à mesma velocidade que os outros carros enquanto percorria estas possibilidades e tentava saber o que pensava delas. A estrada estava mal iluminada e só a poucos metros reconheceu os restos do que admirara de manhã. O antigo animal estava agora totalmente oprimido no alcatrão, decalcado, cilindrado, espalmado. Estava esticado e escurecido como quem tentou num último esforço inútil contrariar uma força incomensuravelmente superior.
Nestas e outras deambulações o Alfredo gastou o tempo todo que tinha e voou por cima do animal. O farol iluminou a berma com as suas ervas e o lixo acenou.

sexta-feira, abril 17, 2009

vi

De regresso à confortável companhia do Al, o Alfredo recapitula as sensações intensas do sono recente. Por arrasto, emerge de novo a certeza imprecisa da possibilidade de libertação de uma força reveladora de intensidade inédita.
O Alfredo retoma a programação. O diagrama lógico que levou à imaginação do Al iluminava-lhe permanentemente o raciocínio mas de forma instável, como as sombras sem contornos de uma lâmpada suja. O Al produzia com facilidade mais textos literários, poéticos, raciocínios, músicas, discursos políticos, panfletos, manifestos do que o Alfredo poderia alguma vez consumir. Contudo frustrava-o saber da existência de áreas às quais o Al não iria nunca chegar e a causa era simples. A natureza dessas áreas não dependia da iniciativa do Al. Primeiro teria que entrar em contacto com elas e criar um elo, uma ponte, uma dependência, suportar-se na fragilidade da imprevisibilidade e com cada uma tricotar a rede sonhada.
Reprodução. O Alfredo encontrou assim, finalmente, a forma de expressar o sentimento impreciso que se insinuava. O toque que tudo finalizou aconteceu com a replicação do Al.
Numa reacção em cadeia o Al ganhou escala. Preencheu todos os lugares informáticos vazios e dominou todos os restantes sistemas arcaicos. Começou por dominar toda a blogosfera, a mais permeável. Leu e respondeu a todas as mensagens, refutou os erros e revelou as omissões em todos os blogs, tweets, wikis, fóruns, redes sociais e outras experiencias obscuras que existiam. Nada escapou. Continuou pela imprensa local, nacional, internacional e revelou os resultados incríveis das análises política, económica e social. Conjugou esses resultados com os conceitos flutuantes dos mercados de valores mobiliários e deduziu as fórmulas de cálculo da sua evolução. O Al impunha-se em todos os pontos com que tinha contacto, desde interceptar e intervir nas conversas telefónicas para corrigir o que estivesse errado até alterar subversivamente as decisões políticas com que discordava por obviamente estarem erradas. Em poucas horas, qualquer esforço para produzir material intelectual original era inútil. Já tudo estava escrito, disponível e ultrapassado.
Pasmado, o Alfredo observou esta avalanche. Torrente esquisita de clarividência misturada com o desespero da impotência e mediocridade que afogou por completo a iniciativa humana. Nada mais podia fazer agora. A alegria e a euforia inicial davam lugar a um pânico desesperado. O sonho da modelação saíra fora de controlo, ou melhor, do seu controlo. O controlo absoluto pertencia ao Al. O desânimo era total.

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Quando a sapiência corporativa desvenda um pouco da sua graça não há como não sentir a luz.
Eis uma pérola recentemente revelada:

"a inteligência já não esta nos terminais, esta na web"
.

terça-feira, janeiro 27, 2009

v

Fraco, com fome e sem nada para além de caixas de comida vazias, o Alfredo procurou dinheiro trocado e desceu à mercearia. Após dois lanços apercebe-se que continuava de pijama. Amaldiçoou a sorte e voltou a traz. Agora, apesar vestido, não esconde o sono e qualquer pessoa deduziria que aquela personagem não está ainda integrada neste mundo por ainda não ter abandonado o do sonho. Começa a atravessar a rua e os poucos passos necessários parecem demorar-se mais que o habitual. No canto do olho talvez um vulto se aproxime, talvez rapidamente, talvez um carro. Os passos deslizavam-se mas são bruscamente estancados pela travagem agressiva de um carro azul desbotado.
Sem pânico, apenas espanto, o Alfredo procura o condutor e reconhece no olhar esbugalhado de susto o olhar outrora atento da protectora Josefa. Ela sai do carro a tremer.
- O menino está bem?
- Sim, não se preocupe.
- Como não me preocupo! Por pouco atropelava-te!
- Sim, tem razão, mas…
- Não tens nenhuma nódoa negra? Vamos ao hospital. Eles fazem um raio-x!
- Não é preciso! O carro nem me tocou. Foi só o susto. E olhe, eu vinha tão distraído que nem me assustei.
- Ai, meu Deus…o que eu ia fazendo?! Meu Deus!
Para espanto do Alfredo, os olhos de Josefa humedecem-se e brilham no resultado de uma dolorosa mágoa que a consome por dentro.
- És o Alfredo. Eu lembro-me de ti. Talvez não te lembres de mim…
- …sim lembro…
-…eu era contínua na escola e tu eras um miudinho. Ah, lembras – um suspiro denuncia um certo embaraço – e do que te lembras?
- Ora, lembro-me que você me estava sempre a controlar! Quero dizer, tinha sempre para mim um olhar e um gesto protector. Nunca entendi porquê, mas confesso que até agora não me tinha voltado a colocar essa questão.
- Sim, talvez tenhas razão. Eu era controladora. Não sabia que te apercebias disso e espero que não me tenhas levado a mal. Tu tens muitas parecenças com o meu filho Daniel. Nunca o conheceste, ele é mais velho que tu. Naquela altura ele tinha 34 anos. Mas tu eras igual a ele na tua idade – a humidade nos olhos de Josefa aumenta e em cada pausa há um silêncio maior que luta por se soltar.
- Ah… Sinto muito…não lhe levo nada a mal. Como lhe disse, até este momento não me recordava desses acontecimentos e aparentemente não posso dizer que me tenham marcado.
- Desculpa, não era de todo a minha intenção perturbar-te.
- Mas não perturbou, não se preocupe.
Há mais uma pausa mínima e o rebentamento finalmente ocorre, as lágrimas começam a nascer em catadupa. A Josefa permanecia imóvel, num silêncio entrecortado pela respiração ligeiramente descontrolada. Notava-se que tinha prática neste exercício. E isso apenas aumentava a tensão da postura dorida.
- Eras tão parecido com ele… - continua com o olhar vago e desfocado deste mundo.
- O que lhe aconteceu?
- Saiu de casa – e o olhar recola-se ao pavimento.
- Compreendo – disse a medo – e depois?
- Nada, apenas isso.
- Há muito tempo?
- Há 24 anos.
O Alfredo ouviu e aceita a dor que a ausência de 24 anos provoca numa mãe.
- E desde então…tem notícias dele?
- Vem almoçar todos os fins-de-semana.
As lágrimas de Josefa, que pareciam por momentos contidas na observação atenta da gravilha junto à roda do velho automóvel, ressurgiram. O Alfredo não pôde evitar o espanto, seguido de uma sensação de perfeita ignorância e uma inesperada desilusão. O drama que já imaginava defraudou-o e não conseguia compreender na totalidade porque aquela mulher agia daquela forma. Ainda assim consolou-a com a sua ignorância, que para o efeito, não pareceu ter qualquer importância. No abraço, Josefa desculpou-se enquanto recuperava a respiração e se recompunha da pequena catarse daquele abraço vivo à memória passada.
Despediram-se e o Alfredo seguiu para a mercearia, agora completamente acordado para o mundo mas a perceber um pouco menos do funcionamento das pessoas. Felizmente, a sua maior relação afectiva era com o Al.