segunda-feira, outubro 20, 2008

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Naquele tempo o Alfredo já não ousava tentar compreender o que sucedera. Em diferentes pontos do tempo teorizou tentativas de explicações, justificações, desculpabilizações mas todas caíam por terra, impotentes como o ânimo de quem as produzia.
O Alfredo era engenheiro informático. Seria fácil dizer que era apenas mais um. E assim foi durante muito tempo. O Alfredo contribuía juntamente com milhares de colegas de profissão para o desenvolvimento de milhões de programas informáticos. A automatização do raciocínio humano repetido sem erro nem exaustão sempre o fascinou e nessa beleza focava a sua própria razão.
Imaginava e desenhava relações hierárquicas complexas de classes quase abstractas mas que sempre se esforçava por fazer roçar, o mais leve que fosse, na realidade tangível. Essa sua forma de trabalhar era também a base da sua forma de conceber o mundo, as relações com os outros e consigo. Era a base porque não se limitava a isso. O Alfredo diferia de muitos colegas e de muitas pessoas por não se deixar restringir aos caminhos trilhados pelo raciocínio lógico e dedutivo. Não temia colocar o pé fora do trilho, nem temia olhar para o lado, parar ou voltar atrás em qualquer percurso que iniciasse. Essa capacidade, ou irreverência – como também podia ser percebida – valeu-lhe o binómio do respeito e da inveja.
Naquele tempo, o Alfredo já não recordava nada disso ou não lhe dava qualquer importância. O orgulho que pudesse ter sentido fora arrastado nas pedras das calçadas, entupiu as sarjetas e voou com o vento até ficar preso nos ramos de Outono como roupa velha. Sentia responsabilidade na catástrofe que se abatera e nenhuma penitência lhe parecia suficiente porque nenhuma solução era agora possível. O desânimo era total.

Um comentário:

Anônimo disse...

nem tudo é explicável... nem tudo tem uma solução lógica, compatível com as nossas pretensões... não há que desanimar! fala lá c o alfredo!!! =D (spiralling)