domingo, junho 13, 2010

Ela caminha por novas ruas

Ela caminha por ruas novas, mas a memória está inebriada por conhecimentos quotidianos. A forma ágil de se movimentar pretende fazer crer que na verdade não há nada de novo. Ou que a novidade não é nada com que se necessite preocupar, por ser mundana, corriqueira. Tudo em volta é novo, mas dentro dos seus olhos tudo é ainda quotidiano. O percurso é aberto, pela segunda vez, com golpes afiados de confiança e arrogância. Mais uma curva e já está. Eis a curva. Uma inclinação inusitada começa por levantar suspeitas, mas não! Não há ali enganos… Até que tudo pára. E sim. Há um engano. Ela volta-se para trás e confirma que virou no sítio errado. Na verdade está agora num sítio ainda mais novo, e inexplorado, que poderia passar assim a fazer parte do seu território. No entanto este inesperado desmorona o castelinho de segurança e revela o fundamental, o facto de ser ter enganado, de os passos determinados, dançantes, terem sido abruptamente interrompidos, como uma agulha que se arrasta no disco que gira. Há uma fragilidade que se expõe.
Ela sabe que o novo caminho não é quotidiano. Sabe que há escadas por onde não subiu e ruas que não desceu. Faz parte da sua estratégia ter esses becos, ruelas, travessas e avenidas por perto, em linha de vista do emaranhado dos percursos quotidianos. Bem como cidades inteiras, pessoas inteiras, profissões inteiras que cabem nessa folga que ela reserva quotidianamente. Uma reserva de segurança, uma reserva de esperança. A sua sobrevivência quotidiana alimenta-se dessa reserva secreta de esperança. Mas infelizmente, a verdade é secreta apenas antes de ser falsa.

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