sexta-feira, junho 30, 2006

a 37ª - homenagem aos rótulos

Às tantas
incendiou-se o desespero da duvida da incerteza
À 37ª
apagou-se a azia.














Homenageio assim o inventor dos rótulos, que esteve muito bem na sua descoberta. Graças a ele podemos hoje em dia distinguir o fixador do revelador e evitar, entre outras coisas, apagar sem querer as fotografias que tiramos de propósito.
Um grande bem-haja!

6 comentários:

Anônimo disse...

O Paradoxo do Rótulo

Deverá o livre-pensador, aquele que não tem nenhuma barreira a orientar o seu raciocínio, personalidade e acção, homenagear a imposição de um rótulo, de uma etiqueta, de algo que a prioristicamente condicione a sua percepção e acção.
A inexistência de rótulos, como no caso mencionado, levará ao erro, à decepção e ao desejo de que se imponha uma marca que alerte e destrince os componentes da realidade, e ajude a desenhar o próximo passo.
Mas será desejável essa omnipresente classificação, etiquetagem ou preconceito?
Será esse o valor a pagar para que as fotografias que tiramos da realidade, tal como a observamos, não se apaguem?
Ou será um preço menor por um bem maior – o livre arbítrio para errar.

Eis o primeiro dos seixos,

Alberto Boyle

Carlos Ferreira da Silva disse...

Compreendo o raciocínio, mas refuto-o.

Reconheço que grandes achados podem ser conseguidos através da ruptura com convenções ou procedimentos como os enunciados em rótulos. Mas o mesmo princípio que valoriza essas atitudes desvaloriza a acção negligente ou involuntária, que pode ser contraditória com o livre arbítrio se considerarmos que a acção foi conduzida pelo engano – se por algum motivo eu chegar a Coimbra seguindo as setas que indicam Lisboa, onde é que eu estou?

Por outro lado, esta é uma homenagem ao rótulo mas poderia igualmente ser uma homenagem ao conceito, porque no fundo os rótulos são como os conceitos que damos às palavras - muito úteis mas com as limitações derivadas dos seus próprios conceitos.

Muito agradecido pelo seixo.

Anônimo disse...

Uma vez que o pequeno seixo fez ressonância, ou provocou ondulação, conforme o meio por onde este iceberg se desloca, ouso mandar outro, ainda que na continuação do anterior.

“A name is a label, and as soon as there is a label, the ideas disappear and out comes label-worship and label-bashing, and instead of living by a theme of ideas, people begin dying for labels... and the last thing the world needs is another religion.” Richard Bach

A realidade é formada por um conjunto de rótulos que nós confortavelmente assimilamos ao longo da vida e que nos permitem comunicar com o outro. Sem estas etiquetas que nos ajudam a referir determinada característica do ente, todo o processo de referenciação seria um caos.

Invariavelmente chegaria a Coimbra, mas não a conseguiria nomear, nem haveria modo de me dirigir a ela ou mesmo conhecer a sua existência à priori.

O seixo que eu humildemente mando para este caldeirão é tão somente... E se não tivéssemos rótulos? E se não fossemos condicionados e premiados desde a mais tenra idade a reconhecer e repetir ad nauseum rótulos como mamã, papá, bom, mau, bonito, feio.

Seríamos impedidos de criar sinapses? Claro que não. Seriam apenas diferentes. As ideias não seriam compartimentadas por rótulos mas existiriam na mesma.

Seria um mundo diferente? Concerteza. Seria melhor? Quem sabe...

Por certo que muitas batalhas travadas em nome de rótulos, tal como escreve Bach, sempre ambíguos quando se trata de reunir apoiantes, poderiam ser evitadas.

Sem dúvida que um rótulo é prático e útil. Mas será essencial, sine qua non para a nossa concepção e desenvolvimento como seres pensantes.

Como descrever a linha que separa a utilidade do rótulo que distingue o fixador de revelador, perante o rótulo que nos aprisiona a conceitos herméticos e impeditivos de descobrir o topo da vista desarmada, de descobrir a partida e a chegada, sem lhe atribuir nomes… apenas pelo gozo da caminhada.

Alberto Boyle

Carlos Ferreira da Silva disse...

“E se não tivéssemos rótulos? […] As ideias não seriam compartimentadas por rótulos mas existiriam na mesma.”

Recordo-me de defender e argumentar com a minha professora de português uma tese semelhante que ela nunca aceitou.
Eu defendia que a ideia pode existir antes da linguagem, ou seja, antes da conceitualização. No meu raciocínio parecia-me plausível que a ideia de uma árvore podia existir na minha mente sem constituir um elemento de qualquer linguagem.
Mas o meu engano era mesmo esse, o de pressupor que essa virtualização não constituía em si mesma uma linguagem, uma linguagem que permite a comunicação de mim para mim.
Na frase citada, parece-me que algo semelhante se passa. Se não tivéssemos rótulos, as ideias não seriam compartimentadas, o que me parece verdadeiro. Mas se as ideias não estiverem compartimentadas, ou seja, estruturadas, terão capacidade para existir para além da mente de quem as conceba? Se sim, então os rótulos de facto são desnecessários e é urgente divulgar a forma de o conseguir. Mas se não, os rótulos são efectivamente necessários.

E atrevo-me até a dizer que são necessários para “o nosso desenvolvimento como seres pensantes”, na medida em que são o único mecanismo que permite a comunicação e o debate, que são condições sine qua non para a existência e para o desenvolvimento de seres pensantes.

Mas como disse inicialmente e repito, compreendi a mensagem. A aceitação cega dos rótulos pode conduzir a isso mesmo, à cegueira, à dispensa da dúvida à priori, à dispensa do raciocínio.
Mas se por vezes caímos nessa situação lamentável não é por culpa dos conceitos, que pelo que expus me parecem essenciais. Podem existir pelo menos três razões:
1) Os conceitos induzem uma falsa segurança. Um exemplo seria alguém capaz de citar frases e descrever as linhas de pensamento de grandes filósofos mas que ainda não tenha efectivamente reflectido ou debatido essas ideias. Essa pessoa está presa aos conceitos.
2) Conceitos mal divulgados ou mal compreendidos minam silenciosa e inadvertidamente o discurso e o raciocínio. Colocam entraves à evolução.
3) Conceitos pouco consolidados utilizados abusivamente podem levar ao engano. Se determinada ideia está a ser debatida, o seu nome não pode ser ainda utilizado sem referência a esse debate. Por exemplo, o que é “a crise no médio oriente”? É o conflito entre Israel e a Palestina? É o conflito entre os EUA e o Iraque? Tem ligações com a indústria de armamento?


Ou seja, compreendo o receio e existem razões para preocupação nos dias que correm. Daí a importância da educação, e do ensino da auto-educação.
E a importância do ensino da poesia, em versos de palavras, em versos de gestos, em versos atitudes.

Anônimo disse...

Uma vez que o Alberto Mariote se metamorfoseou em Carlos Ferreira da Silva, penso que não valerá a pena continuar com a brincadeira (a primeira que me ocorreu, confesso) sobre Boyle-Mariote.

Desta forma, agradeço a ressonância sobre os seixos enviados, e deixa-me dar-te os parabéns pela partilha honesta num registo que não te conhecia, mas que é deveras surpreendente.

Alguém disse uma vez, a propósito de um Prémio Nobel da Literatura, que “Nunca sabemos que um poeta nasceu. Sabemos apenas que um dia o descobrimos, o vemos, o escutamos, tal como um dia vemos uma planta florescer. Chamamos a isto um milagre.”

Penso que, sem querer, também tropecei num milagre. Não o deixes definhar.

Aguardo a publicação das fotos e das sensações das últimas caminhadas… sem rótulos.

Carlos Alexandre

Carlos Ferreira da Silva disse...

Eu é que agradeço!
E eu é que aguardo os teus seixos ou outros elementos com os quais se construam caminhos!

Um grande abraço