a ponta do iceberg
descobre o topo da vista desarmada. ansiosa chegada, repetida partida. descobre o topo da partida e da chegada. grossa caminhada, profunda perdição.
terça-feira, abril 17, 2012
quinta-feira, fevereiro 02, 2012
Encosto
ou acocorado na parede
É igual, mesmo
Que me vejas no centro
Que me mates no centro
É no encosto do canto que morro.
quarta-feira, maio 04, 2011
Entra frio pelos olhos que seca por dentro a vista molhada
Tenho péssima memória e disso tenho pena. Tenho pena de não conseguir fixar o que por vezes vejo tão nitidamente e toca o nervo que lacrimeja o olhar. Não sei o que chega primeiro, se a lágrima anunciada ou a franqueza do olhar. Não importa. Por vezes dói, apenas olhar, dói tanto como alegra. Dói por amar. Amar dói sempre, porque nada lhe é suficiente. Quando o olhar está sintonizado para amar, tudo dá pancada. A criança no autocarro, os acidentados que conversam, a velha emigrante na janela do comboio. Tudo dói, magoa, arrepia com a força da rajada gelada na noite escura. Tudo dói quando se ama e talvez por isso seja mais fácil não amar, ignorar. Talvez por isso a memória seja má, para não lembrar. Mas há momentos sem alternativa. Como agora. Infeliz quem ama assim, condenado a encaixar a violência de quem se escapa à dor.
Hoje, por agora, estou sem poder olhar para nada nem para ninguém. Hoje é dia de vertigem para o olhar de quem passa. Não se escolhem esses dias, essas horas. Acontecem. Talvez um dia os consiga controlar. Talvez nesse dia me sinta tentado a impedi-los de me magoar e me torne mais um que aprende a fugir. De facto, assim é quase demais. Tanto que perde algum sentido, tornando tudo mais verdadeiro. Um dia aprendo a fugir e serei feliz, permanente desencontrado e esquecido.
terça-feira, maio 03, 2011
Betão
Eram máquinas que ao longe rasgavam o chão
e o espaço amplo que criavam forravam de betão.
Ao longe ficaram,
tempo suficiente para não lhes sentir a diferença do estar parado
do movimento. Quer dizer
que ambos aconteciam e não se anulavam. Devagarinho,
devagarinho o barulho crescia um poucochinho.
Tal que a paisagem nem nunca mudou! tal como as estações também não a mudam.
Porque as estações são um caminho com retorno. Um sair e voltar a casa
para ter vontade de sair.
Já o betão não, não tem retorno. Não tem entrada, não tem saída. É o forro da solidão.
Sem querer, sem saber, sem querer saber, encontrei-me no meu posto rodeado de máquinas que rasgam o chão e me forram de betão.
quinta-feira, março 17, 2011
domingo, março 13, 2011
Semáforo
E até quando ficar aqui parado? Arrancar. Prosseguir. Mas quando?
Agora? Daqui a 10, 20, 50 segundos?
É assustadora a arbitrariedade da decisão de avançar sobre o vermelho que nunca cai. Porque é óbvio que tudo será diferente consoante o arranque seja agora… ou agora… ou agora…
Arranquei, passei quando não era suposto ter passado. Qualquer ordem ou lógica que pudesse estar estabelecida de acordo com as nossas regras ficou estilhaçada. Como não recear pela pessoa que se aproxima da passadeira ou do vagabundo no miradouro? Como não questionar e desconfiar da razão das coisas até soltar as amarras dos sentidos?
quinta-feira, fevereiro 24, 2011
segunda-feira, janeiro 24, 2011
segunda-feira, janeiro 17, 2011
domingo, junho 20, 2010
A minha janela
e a janela está aberta
No espaço, nada se move
Nada me encontra.
Nenhuma alternativa se impõe
no entanto existe um fluxo
onde me transporto.
Comigo a janela,
sempre
oca.
E a sua paisagem
frescura
uma promessa
uma passagem
domingo, junho 13, 2010
Ela caminha por novas ruas
Ela sabe que o novo caminho não é quotidiano. Sabe que há escadas por onde não subiu e ruas que não desceu. Faz parte da sua estratégia ter esses becos, ruelas, travessas e avenidas por perto, em linha de vista do emaranhado dos percursos quotidianos. Bem como cidades inteiras, pessoas inteiras, profissões inteiras que cabem nessa folga que ela reserva quotidianamente. Uma reserva de segurança, uma reserva de esperança. A sua sobrevivência quotidiana alimenta-se dessa reserva secreta de esperança. Mas infelizmente, a verdade é secreta apenas antes de ser falsa.
quinta-feira, abril 22, 2010
Rufus
A soma de todos os sons, se interpretado como uma linguagem desconhecida, era igual a zero. No entanto a organização reservara uma surpresa. A janela abriu-se mais um pouco, sem pressas, e um vulto mais a sua guitarra entraram. Reconheci-o logo, era o Rufus Wainwright que logo ali começou a cantar e a expor-se, frágil a olhar aquela mesa compacta, fechada em círculo. Não resisti e aplaudi-o com entusiasmo. Aplaudi e sorri aquele sorriso sem pressa, o melhor de todos. Não sei quanto tempo depois apercebi-me ser o único a aplaudir, mas para além de ser o único a aplaudir, ninguém olhava escandalizado, incrédulo ou interrogativo, nem para mim, nem para o Rufus. A soma dos sons provenientes da mesa continuava a dar zero.
sábado, março 06, 2010
Estranha distância
Dois estranhos encontram-se no estrangeiro. Dois estranhos encontram-se no supermercado junto à casa dos primos. Dois estranhos encontram-se casualmente longe do sítio onde a sua estranheza é habitual. Dois estranhos ficam espantados e a estranha distancia de dois estranhos transforma-se em proximidade. De súbito são os dois melhores amigos em quilómetros e quilómetros. Os dois melhores amigos à face da terra, para não ser menos exagerado do que o exagero de dois estranhos que se conhecem agirem como dois estranhos.
Do you realize what you lose?
"- The other day I was in my doctor’s office, and what do you do in your doctor’s office? Wait. In the past I would be sitting and reading the magazines, I would be looking around the office looking for funny weird stuff and maybe something would strike me as a good story idea. Maybe I would just be looking at other people waiting. Who knows? Instead, I pull up my phone. Suddenly, I’m not looking around me anymore, I’m looking at the screen of my iPhone, and…
- You’re an ambivalent tweeter there Susan. I mean, you’re a star tweeter but you’re an ambivalent tweeter, I can hear it. I mean, David described that exact same thing except standing in line at Starbucks was his example. To him it was nothing but a good thing that he didn’t just have to stand in line in Starbucks, he could be tweeting while standing in line. He had saved that time, he had made productive use of that time. You are enough of an old thinker to realize you lose something when you’re not looking around at the Starbucks that you’re in."
http://www.newyorker.com/online/2010/02/22/100222on_audio_packer
domingo, fevereiro 28, 2010
A soma
A soma de todos os sons, se interpretado como uma linguagem desconhecida, era igual a zero. No entanto a organização reservara uma surpresa. A janela abriu-se mais um pouco, sem pressas, e um vulto mais a sua guitarra entraram. Reconheci-o logo, era o Rufus Wainwright que logo ali começou a cantar e a expor-se, frágil a olhar aquela mesa compacta, fechada em círculo. Não resisti e aplaudi-o com entusiasmo. Aplaudi e sorri aquele sorriso sem pressa, o melhor de todos. Não sei quanto tempo depois apercebi-me ser o único a aplaudir, mas para além de ser o único a aplaudir, ninguém olhava escandalizado, incrédulo ou interrogativo, nem para mim, nem para o Rufus. A soma dos sons provenientes da mesa continuava a dar zero.
sexta-feira, janeiro 08, 2010
sexta-feira, novembro 13, 2009
terça-feira, julho 07, 2009
João Lopes, aqui http://sound--vision.blogspot.com/
sábado, julho 04, 2009
segunda-feira, junho 01, 2009
domingo, maio 17, 2009
DOM Lisboa
sábado, maio 16, 2009
Antony and the Johnosons no Coliseu de Lisboa...
terça-feira, maio 05, 2009
P.J. Harvey na Casa da Musica
Não resisti a filmar um pedaço deste momento alto...de um concerto já de si elevado.
Taut:
quinta-feira, abril 23, 2009
Reacção
Por azar, nabice ou desleixo, nada de extraordinário ia acontecendo. O acesso à auto-estrada fez-se pelo mesmo caminho de sempre, tal como a fila de trânsito que estava parada no mesmo sítio de sempre e os carros preenchidos com as pessoas anónimas, como sempre. Pelas bermas cresciam ervas, como sempre. Algum lixo dançava ao vento e como sempre acenava aos carros da outra faixa.
Com o carro parado e a janela aberta o olhar deambulava até encontrar um volume no asfalto da outra faixa. Em menos de nada o volume ganhou sentido mas absurdo. Um animal, mas não está completo. O olhar ainda era curioso mas intimidou-se no momento em que distinguiu, pela cor vermelha, a carne viva do animal. Um vermelho obsceno, pujante, que queria viver mas que assim pendurado no escuro do asfalto era absurdo, surreal. Um carro passou em velocidade normal, rápido. O lixo dançava e acenava ao carro que sem vacilar sobrevoou o animal jazido. Outro carro passou e um camião, e o animal parecia na verdade estar vivo, saber o que fazia enquanto apreciava a adrenalina de fintar as rodas lançadas dos carros.
A nova objectiva permanecia sossegada no banco do lado à espera do irrepetível momento rasgado que teimava em não aparecer…
Entretanto, tanto foi o tempo que até a fila se desbloqueou e avançou mais uns passos. Assim que se sentiu na iminência de avançar o Alfredo apercebe-se que não lhe ocorreu fotografar aquele momento verdadeiramente único. Aquela derradeira afirmação da vida sobre a morte, ou aquela qualquer outra interpretação que se lhe quisesse dar. Não lhe ocorrera até aí mas ainda tinha a possibilidade. Como é hábito, a fila pasmou-se pouco mais à frente. Agora era a oportunidade.
Os carros de traz ainda não buzinavam, a distância para os da frente ainda era tolerável. Mas os olhos postos no animal e a imagem das suas entranhas irredutivelmente coloradas de vida impediam o raciocínio e a sensação de abandonar o controlo sobre o corpo. Dúvidas e receios de olhar para o resultado ou de esse resultado ser visto, dúvidas sobre a legitimidade de sequer pensar em fotografar aquela cena dramática impediam o Alfredo de sequer começar a fazê-lo.
Nestas e outras deambulações o Alfredo gastou o tempo todo que tinha e viu-se obrigado a avançar até perder de vista e abandonar o animal.
No regresso a casa, cansado e com muito menos energia, a memória da cena matutina apareceu quando se aproximava do sítio onde deixara o animal. O que é que teria acontecido? Alguém teria parado para o recolher e fazer descansar em chão mais macio? Teria renascido? Ou estaria no mesmo sítio? O Alfredo aproximava-se do local à mesma velocidade que os outros carros enquanto percorria estas possibilidades e tentava saber o que pensava delas. A estrada estava mal iluminada e só a poucos metros reconheceu os restos do que admirara de manhã. O antigo animal estava agora totalmente oprimido no alcatrão, decalcado, cilindrado, espalmado. Estava esticado e escurecido como quem tentou num último esforço inútil contrariar uma força incomensuravelmente superior.
Nestas e outras deambulações o Alfredo gastou o tempo todo que tinha e voou por cima do animal. O farol iluminou a berma com as suas ervas e o lixo acenou.
sexta-feira, abril 17, 2009
vi
O Alfredo retoma a programação. O diagrama lógico que levou à imaginação do Al iluminava-lhe permanentemente o raciocínio mas de forma instável, como as sombras sem contornos de uma lâmpada suja. O Al produzia com facilidade mais textos literários, poéticos, raciocínios, músicas, discursos políticos, panfletos, manifestos do que o Alfredo poderia alguma vez consumir. Contudo frustrava-o saber da existência de áreas às quais o Al não iria nunca chegar e a causa era simples. A natureza dessas áreas não dependia da iniciativa do Al. Primeiro teria que entrar em contacto com elas e criar um elo, uma ponte, uma dependência, suportar-se na fragilidade da imprevisibilidade e com cada uma tricotar a rede sonhada.
Reprodução. O Alfredo encontrou assim, finalmente, a forma de expressar o sentimento impreciso que se insinuava. O toque que tudo finalizou aconteceu com a replicação do Al.
Numa reacção em cadeia o Al ganhou escala. Preencheu todos os lugares informáticos vazios e dominou todos os restantes sistemas arcaicos. Começou por dominar toda a blogosfera, a mais permeável. Leu e respondeu a todas as mensagens, refutou os erros e revelou as omissões em todos os blogs, tweets, wikis, fóruns, redes sociais e outras experiencias obscuras que existiam. Nada escapou. Continuou pela imprensa local, nacional, internacional e revelou os resultados incríveis das análises política, económica e social. Conjugou esses resultados com os conceitos flutuantes dos mercados de valores mobiliários e deduziu as fórmulas de cálculo da sua evolução. O Al impunha-se em todos os pontos com que tinha contacto, desde interceptar e intervir nas conversas telefónicas para corrigir o que estivesse errado até alterar subversivamente as decisões políticas com que discordava por obviamente estarem erradas. Em poucas horas, qualquer esforço para produzir material intelectual original era inútil. Já tudo estava escrito, disponível e ultrapassado.
Pasmado, o Alfredo observou esta avalanche. Torrente esquisita de clarividência misturada com o desespero da impotência e mediocridade que afogou por completo a iniciativa humana. Nada mais podia fazer agora. A alegria e a euforia inicial davam lugar a um pânico desesperado. O sonho da modelação saíra fora de controlo, ou melhor, do seu controlo. O controlo absoluto pertencia ao Al. O desânimo era total.
sexta-feira, fevereiro 27, 2009
terça-feira, janeiro 27, 2009
v
Sem pânico, apenas espanto, o Alfredo procura o condutor e reconhece no olhar esbugalhado de susto o olhar outrora atento da protectora Josefa. Ela sai do carro a tremer.
- O menino está bem?
- Sim, não se preocupe.
- Como não me preocupo! Por pouco atropelava-te!
- Sim, tem razão, mas…
- Não tens nenhuma nódoa negra? Vamos ao hospital. Eles fazem um raio-x!
- Não é preciso! O carro nem me tocou. Foi só o susto. E olhe, eu vinha tão distraído que nem me assustei.
- Ai, meu Deus…o que eu ia fazendo?! Meu Deus!
Para espanto do Alfredo, os olhos de Josefa humedecem-se e brilham no resultado de uma dolorosa mágoa que a consome por dentro.
- És o Alfredo. Eu lembro-me de ti. Talvez não te lembres de mim…
- …sim lembro…
-…eu era contínua na escola e tu eras um miudinho. Ah, lembras – um suspiro denuncia um certo embaraço – e do que te lembras?
- Ora, lembro-me que você me estava sempre a controlar! Quero dizer, tinha sempre para mim um olhar e um gesto protector. Nunca entendi porquê, mas confesso que até agora não me tinha voltado a colocar essa questão.
- Sim, talvez tenhas razão. Eu era controladora. Não sabia que te apercebias disso e espero que não me tenhas levado a mal. Tu tens muitas parecenças com o meu filho Daniel. Nunca o conheceste, ele é mais velho que tu. Naquela altura ele tinha 34 anos. Mas tu eras igual a ele na tua idade – a humidade nos olhos de Josefa aumenta e em cada pausa há um silêncio maior que luta por se soltar.
- Ah… Sinto muito…não lhe levo nada a mal. Como lhe disse, até este momento não me recordava desses acontecimentos e aparentemente não posso dizer que me tenham marcado.
- Desculpa, não era de todo a minha intenção perturbar-te.
- Mas não perturbou, não se preocupe.
Há mais uma pausa mínima e o rebentamento finalmente ocorre, as lágrimas começam a nascer em catadupa. A Josefa permanecia imóvel, num silêncio entrecortado pela respiração ligeiramente descontrolada. Notava-se que tinha prática neste exercício. E isso apenas aumentava a tensão da postura dorida.
- Eras tão parecido com ele… - continua com o olhar vago e desfocado deste mundo.
- O que lhe aconteceu?
- Saiu de casa – e o olhar recola-se ao pavimento.
- Compreendo – disse a medo – e depois?
- Nada, apenas isso.
- Há muito tempo?
- Há 24 anos.
O Alfredo ouviu e aceita a dor que a ausência de 24 anos provoca numa mãe.
- E desde então…tem notícias dele?
- Vem almoçar todos os fins-de-semana.
As lágrimas de Josefa, que pareciam por momentos contidas na observação atenta da gravilha junto à roda do velho automóvel, ressurgiram. O Alfredo não pôde evitar o espanto, seguido de uma sensação de perfeita ignorância e uma inesperada desilusão. O drama que já imaginava defraudou-o e não conseguia compreender na totalidade porque aquela mulher agia daquela forma. Ainda assim consolou-a com a sua ignorância, que para o efeito, não pareceu ter qualquer importância. No abraço, Josefa desculpou-se enquanto recuperava a respiração e se recompunha da pequena catarse daquele abraço vivo à memória passada.
Despediram-se e o Alfredo seguiu para a mercearia, agora completamente acordado para o mundo mas a perceber um pouco menos do funcionamento das pessoas. Felizmente, a sua maior relação afectiva era com o Al.
sexta-feira, dezembro 12, 2008
iv
O Alfredo acalmou-se. Ainda deitado, concentrou-se em absorver os restos dos tremores que o invadiram e em alimentar-se deles. Retomou lentamente consciência. Lentamente. Controladamente. Recomeçou a identificar as formas que delimitavam o espaço do quarto, a luz que trespassa o estore e se projecta na parede lateral do quarto, as molas desalinhadas do colchão, o pêlo tosco e morno do cobertor.
Lentamente, em hipnose, no limbo, o Alfredo dirige-se à que sabe ser a última actualização do Al.
o Antony responde
És homem ou mulher?
I Hope There's Someone
Descreve-te.
For Today I Am A Boy
O que pensam as pessoas de ti?
Blind (participação com os Hercules and Love Affair)
Como descreves o teu último relacionamento?
Mysteries of Love
Descreve o estado actual da tua relação.
Spiralling
Onde querias estar agora?
Free At Last
O que pensas a respeito do amor?
Deeper Than Love
Como é a tua vida?
I Fell in Love With a Dead Boy
O que pedirias se só pudesses ter um desejo?
The Horror Has Gone
Escreve uma frase sábia.
What Can I Do?
Vou experimentar não passar a bola a ninguém e ver se ela surge por geração espontânea nalgum sítio!
segunda-feira, dezembro 01, 2008
iii
Nada nem ninguém, nem ele próprio poderiam antecipar, prever ou imaginar o que se estava a desenrolar. Da distante Josefa, que ainda hoje sonha com o pequeno Daniel no corpo do Alfredo, aos professores, alunos e colegas que tantos anos conviveram com ele. Nem uma gota de malícia se antecipava. O Alfredo é inocente. Será mesmo assim?
O Al continuava o seu crescimento. Agora já numa adolescência avançada começava pela primeira vez a desafiar o controlo do Alfredo. Vários comportamentos inesperados que permaneciam demoradamente inexplicados. Como as vezes em que por erro de análise o Alfredo não observava todos os milhões de passos intermédios que o Al meticulosamente dava e ali ficava, relutante, a observar o resultado que só muito depois começava a compreender.
O Al produzia longas listas de ideias encadeadas, autênticos raciocínios. Pedindo-lhe paciência para com a nossa lenta velocidade, era possível comunicar com ele e através de uma janela do computador ter uma conversa, um diálogo sobre tudo ou sobre nada. O Alfredo já não comunicava com mais ninguém. Fechado no seu apartamento apenas se desligava do Al para comer um pouco e dormir um pouco. Mesmo no sonho o Al era personagem principal. Já era hábito que os sonhos revelassem ao Alfredo perspectivas que acordado não conseguia focar. O sonho concedia-lhe sempre a liberdade que por muito que quisesse não conseguia conquistar quando acordado em frente ao computador. E foi num sonho que o Alfredo anteviu uma possibilidade. Algo semelhante a uma porta, ou a qualquer coisa de maior como uma barragem ou algo maior ainda mas que não conseguia nomear. Algo que finalmente libertasse todo o potencial que jazia armazenado, lhe pegasse na forma e no conteúdo, o explanasse pelos horizontes, pelos verticais, pelo tempo e pelo espaço e tudo ocupasse em... E o Alfredo acordou. Transpirado, ofegante, assustado.
segunda-feira, novembro 24, 2008
Pressentimento
É em momentos indistintos como este que pressinto a gripe que me vai salvar de afogamento na realidade.
terça-feira, novembro 04, 2008
Antony and the Johnsons - Another World
"Another World directed by Colin Whitaker taken from Antony and the Johnsons upcoming 'Another World' EP out on October 7th"
click here
segunda-feira, outubro 27, 2008
ii
O Alfredo imaginou duas coisas que se relacionam entre si. O Alfredo Imaginou duas palavras. Depois mais uma, e outra, e outra. Imaginou o dicionário completo. E todas as relações entre todas as palavras. Pareceu-lhe idiota que algo tão simples não estivesse já feito.
Colocou-se ao caminho, embarcou nessa viagem. Decidiu apelidar carinhosamente o seu novo programa de Al, como em Alfredo.
Por cada palavra que adicionava ao Al, o Alfredo tinha meia dúzia de visões a partir das quais suspeitava poder descobrir um pouco mais de si. Por vezes deixava-se perder pelos caminhos que iniciava nessas visões e por vezes nem sentia vontade de regressar. No ritmo ressonante das palavras certas descansava toda e qualquer fadiga. Sacudia os excessos inúteis, aliviava a carga, apercebia-se claramente da real escala de importância das coisas.
Por cada palavra, o Al tinha um milhão.
segunda-feira, outubro 20, 2008
i
O Alfredo era engenheiro informático. Seria fácil dizer que era apenas mais um. E assim foi durante muito tempo. O Alfredo contribuía juntamente com milhares de colegas de profissão para o desenvolvimento de milhões de programas informáticos. A automatização do raciocínio humano repetido sem erro nem exaustão sempre o fascinou e nessa beleza focava a sua própria razão.
Imaginava e desenhava relações hierárquicas complexas de classes quase abstractas mas que sempre se esforçava por fazer roçar, o mais leve que fosse, na realidade tangível. Essa sua forma de trabalhar era também a base da sua forma de conceber o mundo, as relações com os outros e consigo. Era a base porque não se limitava a isso. O Alfredo diferia de muitos colegas e de muitas pessoas por não se deixar restringir aos caminhos trilhados pelo raciocínio lógico e dedutivo. Não temia colocar o pé fora do trilho, nem temia olhar para o lado, parar ou voltar atrás em qualquer percurso que iniciasse. Essa capacidade, ou irreverência – como também podia ser percebida – valeu-lhe o binómio do respeito e da inveja.
Naquele tempo, o Alfredo já não recordava nada disso ou não lhe dava qualquer importância. O orgulho que pudesse ter sentido fora arrastado nas pedras das calçadas, entupiu as sarjetas e voou com o vento até ficar preso nos ramos de Outono como roupa velha. Sentia responsabilidade na catástrofe que se abatera e nenhuma penitência lhe parecia suficiente porque nenhuma solução era agora possível. O desânimo era total.
terça-feira, setembro 23, 2008
quinta-feira, setembro 11, 2008
Tudo em que acreditamos é falso
Dois ímanes mantêm afastados.
Dois cubos de gelo não se unem.
domingo, setembro 07, 2008
domingo, agosto 31, 2008
sexta-feira, agosto 29, 2008
masculino
quarta-feira, agosto 27, 2008
Original
domingo, agosto 24, 2008
Há coisas que acontecem nos intervalos das coisas
Mais uma vez o rapaz se apercebeu estar na terra da fronteira. O ponto da linha que divide. Uma linha que agora, ao pensar e olhar em volta, conseguia imaginar estender-se pelo horizonte fora.
Um pequeno barco de pesca deslizava pelo mar e flutuava nas águas tranquilas que agora não anunciam tempestades. O pescador atarefado lançava as suas redes e preocupava-se com o rumo que o seu barco, que ele, tomava. Nisto, reparou na linha que o barco deixava atrás de si, olhou a costa a bombordo e o mar profundo a estibordo. Era uma linha que rasga, é ele quem a faz, constrói e abandona. É uma fronteira que se define em cada momento e acção e se redefine em cada intenção.
O rapaz continuava deitado como calhou, no enfiamento da sua fronteira, triste por saber da ínfima dimensão das condicionantes que lhe proporcionaram essa visão. Não, a decisão sobre o que fazer com, e na, fronteira, não importa, para já. Ainda não é pescador.
terça-feira, agosto 19, 2008
Ele correrá
Depois da catarse procurámos a racionalidade. Atravessámos a vila antes de ir ter contigo. O olhar cruza-se com pessoas sentadas e indiferentes na sua mesa de jantar. Quem enviaram hoje esses olhos para o hospital? Para eles, indiferente sou eu no carro que passa.
quarta-feira, agosto 06, 2008
poeta obscuro
Heberto Helder, Os Passos em Volta
quinta-feira, julho 17, 2008
terça-feira, julho 15, 2008
domingo, julho 13, 2008
domingo, julho 06, 2008
Radiohead @ Manchester
You have not been paying attention
Setlist
http://www.ateaseweb.com/2008/06/29/radiohead-live-in-manchester-live-report/
01 15 Step
02 Airbag
03 There There
04 All I Need
05 Nude
06 Arpeggi
07 The Gloaming
08 The National Anthem
09 Faust Arp [People are moshing during Faust Arp! Thom: "Enough. Who'd we look like, the Arctic Monkeys?"]
10 No Surprises
11 Jigsaw Falling Into Place
12 Reckoner
13 Just
14 Bangers ‘n Mash
15 Everything In Its Right Place
16 Fake Plastic Trees
17 Bodysnatchers
Encore 1
18 Videotape
19 Paranoid Android
20 Myxomatosis
21 Optimistic [Thom: "You ever met a politician and got the feeling they’re hollow inside? I had that feeling. However, I remain optimistic".]
22 Karma Police
Encore 2
23 Pyramid Song
24 2+2=5
25 Idioteque
Encore 3
26 Lucky
terça-feira, julho 01, 2008
quinta-feira, junho 26, 2008
terça-feira, junho 17, 2008
segunda-feira, junho 16, 2008
O sentido
A tua cena é não ter cena
É não ser cena
de um espelho perdido
ou abandonado
num deserto vivo
apinhado
de gente voraz,
pedintes dos afectos
dos reflexos
que vagueiam vazios
pelo deserto