quarta-feira, maio 04, 2011

Entra frio pelos olhos que seca por dentro a vista molhada

Tenho péssima memória e disso tenho pena. Tenho pena de não conseguir fixar o que por vezes vejo tão nitidamente e toca o nervo que lacrimeja o olhar. Não sei o que chega primeiro, se a lágrima anunciada ou a franqueza do olhar. Não importa. Por vezes dói, apenas olhar, dói tanto como alegra. Dói por amar. Amar dói sempre, porque nada lhe é suficiente. Quando o olhar está sintonizado para amar, tudo dá pancada. A criança no autocarro, os acidentados que conversam, a velha emigrante na janela do comboio. Tudo dói, magoa, arrepia com a força da rajada gelada na noite escura. Tudo dói quando se ama e talvez por isso seja mais fácil não amar, ignorar. Talvez por isso a memória seja má, para não lembrar. Mas há momentos sem alternativa. Como agora. Infeliz quem ama assim, condenado a encaixar a violência de quem se escapa à dor.

Hoje, por agora, estou sem poder olhar para nada nem para ninguém. Hoje é dia de vertigem para o olhar de quem passa. Não se escolhem esses dias, essas horas. Acontecem. Talvez um dia os consiga controlar. Talvez nesse dia me sinta tentado a impedi-los de me magoar e me torne mais um que aprende a fugir. De facto, assim é quase demais. Tanto que perde algum sentido, tornando tudo mais verdadeiro. Um dia aprendo a fugir e serei feliz, permanente desencontrado e esquecido.

terça-feira, maio 03, 2011

Betão

Estava eu bem no meu posto quando um leve ruído surgiu.
Eram máquinas que ao longe rasgavam o chão
e o espaço amplo que criavam forravam de betão.
Ao longe ficaram,
tempo suficiente para não lhes sentir a diferença do estar parado
do movimento. Quer dizer
que ambos aconteciam e não se anulavam. Devagarinho,
devagarinho o barulho crescia um poucochinho.
Tal que a paisagem nem nunca mudou! tal como as estações também não a mudam.
Porque as estações são um caminho com retorno. Um sair e voltar a casa
para ter vontade de sair.
Já o betão não, não tem retorno. Não tem entrada, não tem saída. É o forro da solidão.
Sem querer, sem saber, sem querer saber, encontrei-me no meu posto rodeado de máquinas que rasgam o chão e me forram de betão.

quinta-feira, março 17, 2011

Não sei o que é pior, se a pele pálida entre a meia e o cano da calça da perna cruzada, ou pessoas portuguesas referirem-se em inglês à cidade do Porto como Oporto. As duas juntas no mesmo quarto de hora arruínam o dia a qualquer um.

domingo, março 13, 2011

Semáforo

Semáforo vermelho. Trânsito parado. Trânsito parado durante um tempo ridículo. Que tempo é este que passa no olhar para um semáforo? Que tempo é este?
E até quando ficar aqui parado? Arrancar. Prosseguir. Mas quando?
Agora? Daqui a 10, 20, 50 segundos?
É assustadora a arbitrariedade da decisão de avançar sobre o vermelho que nunca cai. Porque é óbvio que tudo será diferente consoante o arranque seja agora… ou agora… ou agora…
Arranquei, passei quando não era suposto ter passado. Qualquer ordem ou lógica que pudesse estar estabelecida de acordo com as nossas regras ficou estilhaçada. Como não recear pela pessoa que se aproxima da passadeira ou do vagabundo no miradouro? Como não questionar e desconfiar da razão das coisas até soltar as amarras dos sentidos?

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Ir, para onde os números não existam mais, por terem sido renegados, por terem sido conscientemente decretados incompetentes no estabelecimento da ordem das coisas.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

segunda-feira, janeiro 17, 2011

Ele coleccionava futuros!